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As Confissões de Fe Reformadas (10/2002)

(Figura: Sínodo de Dort)

AS CONFISSÕES DE FÉ REFORMADAS
Rev. Hélio de Oliveira Silva, STM (1).

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Introdução: Conhecendo os Termos.

O termo “confissão de fé”, em seu uso mais comum, “designa as declarações formais da fé cristã escritas pelos protestantes desde os primeiros dias da Reforma”(2), assim como o termo “credo” é comumente relacionado às declarações de fé da Igreja Primitiva (Ex.: Credo de Nicéia etc). As principais distinções entre ambos têm a ver com o tamanho (as confissões são bem maiores) e sua época de composição (Reforma e Período Patrístico)(3).
Associados às confissões de fé ainda existem os “catecismos”, elaborados na forma de perguntas e respostas, que via de regra, têm o mesmo propósito das confissões.
Ainda há o uso do termo técnico “símbolo de fé”, que abarca de forma geral qualquer declaração formal de fé (credo, confissão ou catecismo), “que distingue a comunidade que a professa daqueles que não a professam”(4).
O termo “Cânones” é aplicado às “decisões oficiais de concílios que estabelecem a posição da Igreja ou de um de seus ramos, movimentos ou denominações, quanto a doutrinas específicas”(5) (Ex. Cânones de Dort).

I. A Reforma e as Confissões:

As publicações de Lutero, Zuínglio e Calvino, e outros reformadores, trouxeram à tona questões teológicas sérias e que careciam de definições mais simples e claras para que o povo pudesse compreender e acatar. As confissões escritas por eles e seus colaboradores tinham por objetivo atingir o povo comum, mais do que as lideranças intelectuais e políticas da época.
Além disso, os reformadores precisavam mostrar coerentemente e convincentemente o que seria colocado no lugar das doutrinas católicas que combatiam. Eles propunham:
 A autoridade das Escrituras em contraste com a tradição católica aceita.
 Sacerdócio dos crentes e o testemunho interno do Espírito em contraste com as declarações do infalível magisterium de Roma.
 Uma nova visão do relacionamento entre Igreja/Estado em função da influência católica sobre os reinos existentes no século XVI.
 Uma nova interpretação da história para impulsionar e apoiar a Reforma.
 A restauração da pureza da Igreja neotestamentária quanto à fé e ética cristãs.
Assim sendo, Mark Noll nos lembra que para cada ataque contra uma
crença estabelecida ou prática tradicional, era exigido dos reformadores “uma base lógica, uma declaração concisa das razões para a mudança”(6).
Por outro lado, argumenta Noll, não eram apenas os reformadores se levantavam contra a Igreja católica no século XVI. Toda uma geração de pensadores, filósofos, governantes e artistas plásticos vinham fazendo o mesmo noutras áreas que não na teologia, tornando necessárias a composição de novas declarações de fé cristãs; “não para meramente reorientar a vida cristã, mas também para reposicionar o próprio cristianismo dentro das forças da Europa moderna que nascia”(7) com a Renascença.
Noll Enumera pelos três funções das Confissões de Fé para os protestantes(8):
Eram declarações autorizadas da fé cristã que entesouravam as novas idéias dos reformadores, sem abandonar formas que também pudessem fornecer instrução regular para os fiéis mais humildes.
Erguer um estandarte em redor do qual uma comunidade local podia cerrar fileiras, tornando claras as diferenças com os oponentes.
Tornar possível uma reunificação da fé e da prática, visando a unidade e, ao mesmo tempo, estabelecer uma norma para disciplinar os desregrados. Paulo Anglada afirma que essa prática propicia um compromisso moral com o sistema de fé proposto na confissão.

II. As Confissões dos Protestantes:

As confissões de fé surgiram cedo na reforma protestante. Zuínglio, por exemplo, somente na primeira década da reforma de Zurique supervisionou a composição de não menos que quatro documentos confessionais.
 Os 67 Artigos, para levar o seu cantão suíço a romper com Roma (1523).
As 10 Teses de Berna, para consolidar a Reforma nessa cidade (1528).
A Confissão de Fé diante de Carlos V, para informar o imperador sobre as convicções protestantes (1530).
 A Exposição da Fé diante de Francisco I, rei da França, para convence-lo a adotar atitudes mais igualitárias diante dos protestantes (1531).
Lutero, ao mesmo tempo publicara o Catecismo Menor (1529) ao perceber a ignorância que havia na Saxônia com respeito aos rudimentos da Reforma e da própria Bíblia. Em 1530, Philip Melanchton escreveu a Confissão de Augsburgo, que se tornou o padrão da fé luterana.
Além disso, quando os magistrados ou o povo comum aceitavam a Reforma, eram convocados a escrever uma declaração definitiva da fé(9) . Foi assim em Basiléia, Genebra e Zurique, na França, Alemanha, Escandinávia, escócia, Holanda, Boêmia, Polônia e Inglaterra. Os próprios cânones do Concílio de Trento (1545-1563) demonstram que o catolicismo recapitulou a sua fé numa declaração breve e autorizada.
Segundo Noll foi a diversidade política do protestantismo em sua formação que impediu a formulação de uma única confissão(10) , contudo na segunda geração da Reforma já houve uma grande consolidação. Os luteranos atribuíram autoridade ao Livro da Concórdia (1580), que determinava seus símbolos de fé:
Os Credos: dos Apóstolos; de Nicéia e de Atanásio.
Os Artigos de Smalcald (1537).
A Fórmula da Concórdia (1577).
Os Catecismos Menor e Maior de Lutero (1527).
A Confissão de Augsburgo (1530).

Entre os reformados foram aceitos:
A Segunda Confissão Helvética, escrita por Bullinger para uso pessoal (Zurique - 1566).
O Catecismo de Heidelberg (Alemanha - 1563).
Os 39 Artigos (Inglaterra – 1563).
A Confissão e os Catecismos de Westminster (1640).
As confissões de fé nunca deixaram de ser escritas, especialmente nos
EUA, porém os documentos mais antigos atingiram uma posição de predominância, mantida até hoje. Noll menciona três documentos mais modernos que merecem atenção:
A Chamada à União, da Conferência de Fé e Ordem, de Lausanne (1927).
A Declaração de Barmen, composta pela Igreja Confessante alemã, diante do crescimento do Nazismo (1934).
O Pacto de Lausanne, sobre questões teológicas e sociais (1974).

III. O Lugar das Confissões nas Igrejas.

As confissões de fé refletem a etapa de desenvolvimento do grupo para o qual foram escritas.
O Catecismo Menor de Lutero (1529) tinha em vista a simplicidade da fé, pois foi publicado para uso familiar. A Confissão de Augsburgo (1530) foi preparada para ser apresentada ao imperador Carlos V. A Fórmula da Concórdia (1577), foi escrita para apaziguar uma longa série de controvérsias dentro do luteranismo.

Refletem as questões teológicas envolvidas na sua formação.
O Catecismo de Heidelberg foi escrito com propósitos pastorais e didáticos. Os Cânones de Dort são uma resposta a um conjunto de questões teológicas limitadas.

Refletem o apoio de uma comunidade inteira ou o clamor de uma minoria pressionada.
A Confissão de Westminster foi composta com o apoio do Parlamento inglês, com o tempo necessário para a sua composição, tornando-se uma “declaração abrangente e equilibrada”(11). Os Artigos de Schleitheim (1527) foram escritos por Michael Sattler debaixo de muita pressão, sendo executado três meses depois da apresentação dos mesmos.

Refletem as atitudes com respeito da autoridade ou da Igreja.
Cada denominação tem apresentado posturas internas variadas diante das confissões de fé.
No passado, as denominações de maior concentração (episcopais ou presbiterianos) tendiam a dar mais valor às confissões do que as de menor concentração (congregacionais). Agora, porém, alguns grupos historicamente confessionais estão menos apegados a declarações de fé, em comparação com igrejas e organizações independentes(12).

Havia na época da Reforma dos tipos de Confissão de Fé: as que enfatizavam o drama da redenção, destacando a pessoa de Deus e Sua bondade misericordiosa para com os pecadores e as que enfatizavam a verdade da fé, que sempre eram iniciadas com a definição da revelação nas Escrituras, para somente então passar às atividades de Deus.
No primeiro grupo figuram: Confissão de Augsburgo, Catecismo Menor de Lutero, 67 Artigos de Zuínglio, 10 Teses de Berna de Zuínglio, Catecismo de Heidelberg, Confissão Escocesa (1560), 39 Artigos.
No segundo grupo encontramos: 1ª Confissão Helvética (1536), 2ª Confissão Helvética, Confissão Francesa de Calvino (1559), Confissão Belga (1561), Artigos Irlandeses de James Ussher (1615) e a Confissão de Fé de Westminster.
Muitos desses documentos eram sustentados juntos nas igrejas. A igreja holandesa, por exemplo, fazia uso tanto do Catecismo de Heidelberg, quanto da Confissão Belga. “Mas, por terem sido estruturadas segundo linhas diferentes, estes documentos testemunharam o modo pelo qual a visão teológica formula a ênfase confessional”(13).

IV. O Valor das Confissões de Fé.

Mark Noll afirma de forma muito precisa que as confissões de fé têm servido aos protestantes “como pontes entre a revelação bíblica e culturas específicas”(14) . Elas responderam a necessidades específicas e concretas de sua época. Algumas perderam influência rapidamente, outras, no entanto, devido à sua sensatez e equilíbrio vem permanecendo como fonte de inspiração e alimento para a fé.
A autoridade das confissões de fé é relativa e limitada, submetendo-se à autoridade das Escrituras, visto que somente a Bíblia pode figurar como única regra de fé e prática para os cristãos. Cremos, contudo, que por essa razão não se deve desprezar seu papel histórico e doutrinário para as igrejas. Muitos que têm desprezado as confissões têm enveredado por caminhos que envergonham o Evangelho de Cristo e vão se desarticulando como grupos cristãos confiáveis.
Os grupos que mantêm fidelidade às confissões de fé apresentam comumente duas razões para isso(15):
Os documentos confessionais estimulam a clareza da crença e a franqueza no debate teológico, enquanto que os padrões não escritos são suscetíveis de manipulação dos detentores do poder denominacional.
Existem muitos textos nas Escrituras que se utilizam resumos formais da fé como auxílios à fé e à prática.
O que pregamos – I Co 1.21.
A verdade – II Ts 2.13.
O Evangelho – I Co 15.1-8.
A Palavra – Gl 6.6.
A doutrina de Cristo – II Jo 9,10.
A palavra certa – Tt 1.9.
O padrão de doutrina – Rm 6.17.
As tradições – I Co 11.2 e II ts 3.6.
Aquilo que confessamos – I Tm 3.16.
“Os confessionalistas protestantes reconhecem a obra do Espírito Santo no desdobramento da doutrina no decurso da história e na composição de confissões, mas consideram que tal obra é sempre uma iluminação ou uma extensão dos padrões absolutos da Escritura”(16), em contraste com o Catolicismo que supervaloriza suas promulgações doutrinárias, dando-lhes peso igual ao das Escrituras através do Magisterium.
Resumindo, o valor permanente das confissões de fé, está em sua funcionalidade como:
Introduções valiosas à fé cristã.
Resumos úteis das Escrituras.
Diretrizes fidedignas para a vida cristã.
Defender a Igreja das heresias.

V. Documentos Confessionais Reformados:

1537 = Catecismo e Confissão de Fé de Genebra.
1557 = Confissão de Fé da Guanabara.
1559 = Confissão Galicana.
1560 = Confissão Escocesa.
1561 = Confissão Belga.
1563 = Catecismo de Heidelberg.
1566 = 2ª Confissão Helvética.
1571 = 39 Artigos da Igreja Anglicana (1562 – 42 Artigos).
1619 = Cânones de Dort.
1647 = Confissão de Fé + Catecismos de Westminster (Maior e Breve).

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Notas:
(1)O autor é Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Brasil Central (SPBC-1990). Mestre em Teologia Histórica pelo Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper (CPGAJ-2004). Pastor auxiliar da 1ª Igreja Presbiteriana de Goiânia desde 2002. É professor no SPBC desde 1999, onde leciona, dentre outras matérias, História do Pensamento Cristão.
(2)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, em Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (EHTIC) vol. I, p. 336.
(3)Paulo Anglada, Sola Scriptura, A Doutrina Reformada das Escrituras, Puritanos, p.17.
(4)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, em EHTIC vol. I, p.336.
(5)Paulo Anglada, Sola Scriptura, p.18.
(6)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, EHTIC vol. I, p. 336.
(7)Ibid.,
(8)Ibid., p.337.
(9)Isso foi o que aconteceu, por exemplo, na ilha de Villegaignon, na Baía da Guanabara em 1557, quando foi composta a Confissão de Fé da Guanabara, no Brasil.
(10)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, EHTIC vol. I, p.337.
(11)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, EHTIC vol. I, p.339.
(12)Ibid., p.339.
(13)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, EHTIC vol. I, p.339.
(14)Ibid.
(14)Ibid., p.340.
(15)Mark A. Noll, “Confissões de Fé”, EHTIC vol. I, p.339.
(16)Paulo Anglada, Sola Scriptura, p.20.

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