Introdução:
Tenho aprendido ser
importante falar sobre o governo da igreja e seus ofícios fora do período de
eleições eclesiásticas e creio ser uma urgente necessidade trazermos esse
assunto para os púlpitos das igrejas para ser ensinado com mais profundidade a
fim de instruirmos os presbiterianos sobre o tema e as razões
bíblico-teológicas e pastorais ligadas a ele, por crermos ser essa a forma
bíblica do governo da igreja.
Há um abismo de
desinformação e má formação por parte da liderança da igreja que podemos
colocar em risco a integridade da própria proclamação do evangelho.
A integridade do Evangelho
é a razão de Paulo ensinar tanto a Timóteo como a Tito sobre o governo da
igreja e as exigências divinas para o episcopado.
Contexto:
Paulo deixou Tito em Creta
com o propósito de organizar a igreja da ilha. Paulo estava a caminho de
Nicópolis, na costa da Grécia com o desejo de passar o inverno ali.
A razão disso era que assim
como advertiu a Timóteo contra os falsos mestres judaizantes na primeira
epístola que lhe escreveu (1 Tm 3), também o faz a Tito (Tt 1.10-16).
Paulo mostra que a mesma graça que confere a
salvação, conduz à vida piedosa e sustenta a nossa esperança na volta de
Cristo. Quem é regenerado pelo Espírito Santo vive uma vida de santidade já
neste mundo; “os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras” (Tt 3.5-8).
O papel dos presbíteros é ensinar pela vida e
pela palavra como se deve viver a vida piedosa na igreja.
Paulo mostra na epístola a Tito que há duas
razões fundamentais para a existência de presbíteros na Igreja: A primeira é a
necessidade de organização (v.5). A segunda é a presença na igreja de
insubordinados, falsos mestres gananciosos e impuros e descrentes (v. 10-16).
Proposição:
Paulo instrui a Tito quanto
à necessidade de ordem nas igrejas de Creta. Há três ensinos básicos que
precisamos observar quando à ordem no governo das igrejas locais:
I) Por em ordem as coisas restantes.
®
Ordem é
organização.
®
Organização
é tanto administração coerente com as escrituras como pastoreio sadio na fé.
Qual a base da organização do sistema presbiteriano de governo?
São seis fundamentos:
1. Cristo é a cabeça e a origem
do governo da igreja (Ef 4.15; Cl 1.18).
2. O governo é constituído por
meio de eleição (At 1.15-26; At 6.1-6; 14.21-23).
3. O governo é plural e
representativo por meio de presbíteros qualificados (At 6.1-6; At 14.21-23; At
15; 1 Tm 3; Tt 1).
4. O governo é composto com o
auxílio de diáconos (At 6.1-6; 1 Tm 3.8-13).
5. O governo é investido de autoridade
através da imposição de mãos (At 6.6; At 13.3; 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6).
6. O governo estabelecido em
concílios (At 6.2; At 15.3,6,22,23,28, 1 Co 5.4).
II. Constituir presbíteros em cada cidade.
Presbítero = ancião. Bispo (epíscopo – v.7) = superintendente,
administrador.
No Judaísmo eram líderes mais idosos e experientes dentre o povo.
Na igreja = designação da liderança pastoral e administrativa da igreja.
A Igreja presbiteriana faz uma distinção
entre presbíteros docentes e presbíteros regentes, não como subdivisões do
ofício de presbíteros, mas como dois ofícios diferentes.
Veja como o assunto é abordado na
Constituição da IPB:
Art.25 - A Igreja exerce as suas funções na esfera da
doutrina, governo e beneficência, mediante oficiais que
se classificam em:
a) ministros do Evangelho ou presbíteros docentes;
b) presbíteros regentes;
c) diáconos.[1]
A base bíblica para isso é encontrada em 1
Timóteo 5.17 onde é dito do presbítero que administra bem e do que se afadiga
na palavra.
Calvino encontra base para essa distinção no
exercício dos dons espirituais em Efésios 4.11 e Romanos 12.8ss. Ali ele define
como “ofício” o exercício dos dons no ministério ordinário da igreja.[2]
Essa distinção, no entanto, não deve ser
vista de modo rígido, mas fluida. Porque uma exigência para o presbiterato é a
capacidade de ensinar, que deve estar presente tanto num quanto noutro. A
docência também participa do governo, pois o conceito de autoridade bíblica é
diferente da secular.
No conselho, não pode haver nem preeminência
nem hegemonia de um ofício sobre o outro, mas ambos são iguais. Calvino alerta
que o conceito de “hierarquia” não cabe nas definições dos ofícios da igreja.[3]
O que significa a representatividade dos
presbíteros e pastores nas escrituras?
1. Não existe diferenciação entre clérigo e leigo – ambos foram ordenados
da mesma forma para o pastoreio da igreja.
®
Não
existe hegemonia.
®
Não
existe hierarquia.
®
Existem
dons e funções a serem exercidos como ofício.
2. Ambos são eleitos pelo povo para representarem a Deus sobre ele e não
o oposto.
®
Os
pastores devem aprender a aceitar o método de eleição.
®
Os
presbíteros não podem manipular as eleições conforme sua conveniência.
3. Embora haja distinção entre docência e regência ambos devem combinar no
pastoreio da igreja.
®
Supervisionar,
ser modelos e pastorear (1 Pe 5.1-5).
“seu ofício é supervisionar a vida de cada
pessoa para admoestar amigavelmente os que eles veem que estão errando ou
vivendo uma vida desordenada.”[4]
Bannerman aponta para o fato que
a diferenciação entre a regência e a docência tem origem no Antigo Testamento
onde a figura do ancião que governa era distinta dos presbíteros que ensinam,
podendo ser inferida da distinção feita por Paulo em Romanos 12.7,8 entre o que
prega e o que preside.[5]
®
Pastores
não são empregados da igreja e nem os presbíteros são seus patrões. Mas ambos
governam a igreja em concílio em nome de Cristo e para a sua glória somente.
®
O
conselho não é formado por presbíteros presididos por um pastor. Pastores e
presbíteros formam o conselho. Não existe conselho sem um ou sem os outros.
Agir de forma diferente é agir de forma ilegal perante a IPB.
III. Conforme o prescrito.
Atos 14.23 :
®
Por meio
de eleição.
A palavra empregada por Lucas para eleger é ceirotonhsantej (part. Aor. At.). Aparece apenas 2 vezes no Novo Testamento (At 14.23; 2
Co 8.19). Significa literalmente “eleger pelo erguer das mãos”.[6]
Comentaristas episcopais insistem que essa eleição dos presbíteros não passou
de uma indicação feita por Paulo e Barnabé. Mas essa interpretação não tem o
apoio do significado claro da palavra em 2 Coríntios 8.19, onde significa
“eleger pelo voto de todos”.
“O verbo propriamente denota "estender a mão"; E como era costume
de eleger para o cargo, ou para votar, esticando ou elevando o braço. então a
palavra significa simplesmente "para eleger, nomear ou designar a qualquer
um”. A palavra aqui se refere simplesmente a uma "eleição" ou
"nomeação" dos mais velhos. Diz-se, com efeito, que Paulo e Barnabé
fizeram isso. Mas provavelmente tudo o que se quer dizer é que eles presidiram
a assembleia quando a escolha foi feita. Isso não significa que eles os
nomearam sem consultar a Igreja; Mas evidentemente significa que eles os
nomearam da maneira de se nomear os oficiais, pelo sufrágio do povo”.[7]
Tanto os presbíteros quanto os pastores devem
ser eleitos pela igreja; ainda que nossa CI/IPB[8]
faculte aos Conselhos a prerrogativa de convidá-los anualmente.
®
Com
oração e jejuns.
Calvino diz nas Institutas que a igreja
antiga levava esse assunto da eleição tão a sério que oravam e jejuavam por
isso.[9]
Por isso é ao mesmo tempo triste e vergonhoso
ver a presença de menos de 50% dos membros da igreja presentes nas Assembleias
convocadas para as eleições dos oficiais da igreja!
®
Encomendando-os
ao Senhor.
Isso era feito com imposição de mãos dos
demais presbíteros (Atos 13.3). Um rito simples e feito com muita seriedade,
pois não devia haver imposição de mãos realizadas com precipitação (1 Tm 5).
O ensino de Calvino quanto a isso:
As quatro questões ou “elementos”
apresentados a seguir, definem o modo prático de reconhecer e praticar a
vocação divina no governo da igreja.
1. Como devem ser os ministros.
2. Como devem ser escolhidos.
3. Quem deve escolhê-los.
4. Que rito ou cerimônias há de iniciá-los.
A explicação de Calvino
de cada uma delas é ao mesmo tempo bíblica, prática, pastoral, convincente e
apologética, visto que não só estabelece uma ordem bíblica para o governo da
igreja como previne e denuncia os desvios da Palavra de Deus perpetrados pela
ambição, avareza e cobiça incentivando o temor a Deus e a edificação da igreja
(Inst. IV.III,11).[10]
1. Como devem ser os ministros? Partindo de 1 Timóteo 3.1 e Tito 1.7
resume as exigências bíblicas a que sejam “homens de boa doutrina e vida santa”,
nunca ineptos ou incapazes.
2. Como devem ser escolhidos? A escolha dos ministros (e dos
presbíteros) acontecia com a prática de jejuns e orações (At 13.1-3; At 14.23).
A razão disso era o fato de a escolha dos ministros ser “o mais sério dos
assuntos” da igreja.
3. Quem deve escolhê-los? Os membros da igreja por meio de eleição.
Calvino afirma: “Que a vocação legítima de um bispo exija ser eleito pelos
homens ninguém de bom senso contestará, posto que haja numerosos testemunhos da
Escritura” (Inst. IV.III,14),[11]
citando para esse fim Atos 1.23; Tito 1.5 e Atos 14.23. A forma de constituir
presbíteros nas igrejas é por meio do voto; “a multidão toda, erguendo as mãos,
indicou a quem queria” (Inst. IV.III,15).[12]
4. Que rito ou cerimônias há de iniciá-los? Calvino diz simplesmente
que era por meio da “imposição de mãos”, realizada exclusivamente pelos
pastores e nas Ordenanças Eclesiásticas acrescenta “providenciando para que ela
ocorra sem superstição e sem afronta”.[13]
Aplicações:
1. Não há nenhum motivo justo para nos
envergonharmos da forma de governo adotado e praticado pela IPB. Pelo
contrário, seus fundamentos são solidamente bíblicos.
2. O assunto do governo da igreja é mais
amplo que o geralmente abordado nos períodos preparatórios das eleições eclesiásticas.
3. Muitos erros nos conselhos têm sua origem
na superficialidade de nosso conhecimento da forma de governo bíblica,
permitindo influências externas ao conciliarismo.
4. Precisamos reconhecer que temos dado mais
valor às questões de conveniência que às questões bíblicas quanto ao governo da
igreja.
Frase Final: Tomemos a
resolução de tratar essa questão com mais seriedade daqui para a frente para a
glória de Deus e para o bem da igreja!
[1] Manual
Presbiteriano. CI/IPB Art 25, p.18.
[2] Calvino.
Institutas IV.III.4-7.
[3] Calvino.
Institutas IV.IV.4.
[4] Ordenanças Eclesiásticas, 2008, p.190. Hélio O. Silva. Os Ofícios da Igreja, p. 24.
[5]
BANNERMAN, James, A Igreja de Cristo, v. 1 e 2. São Paulo, Os Puritanos, 2014;
p. 758,759. Hélio O. Silva. Os Ofícios da
Igreja, p. 25.
[6]
Fritz Rienecker & Cleon Rogers. Chave
Linguística do Novo testamento Grego, Vida Nova, p.219.
[7]A. Barnes. Barnes’ Notes on the Bible, Vol.13 – Acts - Romans, THE AGES
DIGITAL LIBRARY COMMENTARY. p.
403. (minha tradução- trad. Eletrônica).
[8]
CI/IPB Art. 30 a 49 p.19-24.
[9]
Calvino. Institutas Livro IV.III,12.
[10] Institutas
IV.III,11, 2009, p.509.
[11]
Institutas IV.III,14, 2009, p.510.
[12]
Institutas IV.III,15, 2009, p. 511.
[13]
CALVINO, João. Ordenanças Eclesiásticas Esboço 1541. In: FARIA, Eduardo Galasso. João Calvino – Textos
Escolhidos, São Paulo: Ed. Pendão
Real; 2008, p. 186.