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Anjos e Demônios

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PNEUMATOLOGIA

Rev. Hélio O. Silva, STM.
Aula 01 = Anjos e Demônios

I.        Anjos.
Angelos no grego e Cherub no hebraico podem ser traduzidas simplesmente por “mensageiro”, tanto humano quanto celestial. A palavra em si não denota qualquer conotação moral de maldade ou bondade. Com exceção de Lc 7.24, 9.52 e, possivelmente, Ap 1.20 (e nas 7 cartas às igrejas) o NT aplica a palavra a seres celestiais. Gruden define Anjos como: “seres espirituais criados, dotados de juízo moral e alta inteligência, mas desprovidos de corpo físico”.[1] Logo, anjos não são onipotentes nem oniscientes e muito menos onipresentes, atributos exclusivos do ser de Deus.
Os anjos são mensageiros de Deus ou embaixadores de Deus. Estão constantemente na sua presença e a seu serviço. Sua missão no céu é louvá-lo (Ap 4.5); dedicam-se a realizar a vontade de Deus (Sl 103.20). Eles contemplam a face de Deus (Mt 18.10). Embora tenham sido criados por Deus, estavam presentes na criação (Sl 148.5). A Bíblia diz existirem milhares de anjos (“incontáveis”, “miríades” = Hb 12.22).
Os anjos auxiliam na realização da providência divina (Dn 12.1) e na reconciliação (Gn 19,1 e 2ss). No cumprimento de sua missão declaram a palavra de Deus (Lc 1.26,27) e executam a sua obra (Mt 28.2).
É possível descobrir uma ordem nas suas categorias: Miguel é chamado de arcanjo, enquanto outros simplesmente de anjos (I Ts 4.16; Jd 9). Será um arcanjo quem anunciará primeiro a segunda vinda de Cristo (I Ts 4.16). “As Escrituras, porém, não nos dizem se isso significa que Miguel é o único arcanjo ou se há outros”.[2] (Dn 10.13).
A ação dos anjos é vista principalmente em torno da encarnação de Cristo, seu ministério terreno e na sua ressurreição. Estão presentes no seu nascimento (Lc 1 a 3; Mt 1); na tentação (Mt 4; Lc 4). Na sua preparação para a cruz (Mc 9.2; Mt 17.2; Lc 22.43); na ressurreição (Lc 24.23; Jo 20.12) e na ascensão (At 1.10).
Os anjos ajudaram a igreja no seu ministério primitivo (At 5.19; 10.3) e terão papel de destaque nos acontecimentos do Fim e do Juízo Final (Ap 7; Mt 24.31; Mt 13.41,49). Embora a obra da reconciliação seja exclusiva de Cristo, os anjos a acompanham e a confirmam (Lc 1.46).
Os anjos se alegram com os pecadores que se arrependem (Lc 15.10) e serão testemunhas presentes quando Cristo confessar aqueles que não o negaram diante dos homens (Lc 12.8,9). Eles são ministros de Deus a favor de seus eleitos (Sl 91.11,12; Mt 18.10; At 12.15), mas isso não implica na existência de anjos da guarda individuais.
A Bíblia não dá muitos detalhes sobre a natureza dos anjos, enfatizando seu caráter espiritual incorpóreo, mas que podem se revelar às pessoas quando Deus assim o determinar (Nm 22.20 - Balaão; II Rs 15.17 – Geazi). São descritos sempre em relação a Deus como “seus” anjos (Sl 104.4). Apenas dois tem seus nomes mencionados: Miguel (Dn 10.13,21; 12.1; Jd 9 e Ap 12.7) e Gabriel (Dn 8.16; 9.21; Lc 1.19,26). O livro apócrifo de Tobias dá nome a mais três anjos: Rafael, Uriel e Jeremiel (Tb 12.15).
Os anjos também são chamados de eleitos (I Tm 5.21; Hb 1.14); filhos de Deus (Sl 29.1); santos anjos (Jó 5.1); seres celestiais (Sl 89.6,7) e espíritos ministradores (Hb 1.14). Apesar disso, Deus nos proíbe claramente de adorá-los (Cl 2.18; Ap 19.10).
Os anjos são classificados na Bíblia como serafins (Is 6.2) e querubins (Gn 3.24). Eles formam a carruagem de Deus na sua descida (Sl 18.10). Figuras de querubins adornavam a arca da aliança (Ex 25.17ss) e o templo de Salomão (I Rs 6.23ss). Deus está entronizado acima dos querubins (I Sm 4.4; Sl 80.1). Ezequiel dá uma descrição visionária deles segundo um padrão humano (Ez 1.10; 9.3; 10.15-22).
Miguel é chamado de Príncipe (Dn 12.1) e lidera os exércitos de Deus (Ap 12.7). Gabriel é chamado apenas de anjo (Lc 1.19). O anjo que apareceu a Josué é chamado de comandante do exército do Senhor (Js 5.13ss).
Judas 6 sugere a existência de uma “queda” também entre os anjos; e que eles são liderados por satanás na sua rebelião contra Deus (Ap 12.7). Há principados e potestades do mal (Ef 6.12). Os anjos maus foram derrotados na cruz (Cl 2.15) e serão definitivamente julgados e condenados no Juízo Final por Cristo (Mt 25.41).
Deve nos chamar à atenção a pessoa do “Anjo do Senhor” constantemente ativo no AT. É quase unânime a interpretação que diz ser ele o Verbo pré-encarnado agindo na terra.[3] Ele é Cristo. Uma razão bem simples para essa interpretação é que ele é o único anjo que recebe e aceita adoração na Bíblia (Jz 13.2,3).[4]
Nosso interesse pelos anjos precisa sempre ser conduzido pelo ensino das escrituras, a fim de que sejam evitados dois extremos perniciosos para a fé cristã:
1. As especulações sem fim que levaram a igreja da idade média a uma espécie de adoração angelical, criando sistemas de classificação complexos e exagerados de seu papel entre nós, especialmente em torno da figura enigmática do anjo da guarda (Mt 18.10; At 12.15).
2.   O ceticismo racionalista do iluminismo que os classificava ou como fantasia, ou reinterpretados como resquícios de um politeísmo primitivo na fé do povo de Deus, desconsiderando seu papel bíblico claro.
Algumas conclusões são corretas e coerentes com a Bíblia:
a)      Anjos, embora apareçam em forma humana, são incorpóreos na sua essência, pois são espíritos.
b)     Criados antes do homem, mas também são criaturas de Deus.
c)      São indivíduos que recebem nomes, funções e posições de hierarquia dentre eles mesmos segundo critérios estabelecidos pelo próprio Deus a quem servem fielmente como seu único Senhor. Os anjos têm livre arbítrio puro, ou seja, podem escolher livremente entre pecar e não pecar, pois não impecáveis aos olhos de Deus (Jó 4.18; 15.15). Os homens, após a queda têm “livre agência”, pois a Escritura os descreve como escravos do pecado (Jo 8.34; Rm 7.25). O homem não escolhe livremente entre pecar e não pecar, porque a sua natureza humana é manchada e desvirtuada pelo pecado.
d)     Comparados com os seres humanos levam a vantagem de estarem na presença de Deus sempre e de servirem como seus mensageiros. Mas quanto à redenção, não gozam do privilégio da redenção pelo sangue de Cristo. Os anjos caídos não serão salvos. Os anjos serão julgados pela igreja eleita e salva (I Co 6.3).

II.      Os Demônios:

A existência de seres espirituais malignos governados por satanás são abundantes nas Escrituras. Contudo, o assunto de sua origem não recebe tratamento detalhado na Bíblia.
Há duas teorias sobre sua origem. 
A primeira é baseada em textos bíblicos tais como (Mt 25.41; II Pe 2.4; Ap 12.7-9) e sustenta que uma multidão de anjos caiu em pecado seguindo a satanás em sua rebelião contra Deus.[5] 
A segunda especula que os demônios são os filhos ilegítimos de anjos que se casaram com mulheres antes do dilúvio (Gn 6.2; Jd 6 – nephilîm = gigantes). Estes seres brotaram de seus corpos quando foram destruídos por Deus. A base verdadeira para essa teoria é o livro pseudoepígrafo I Enoque (10.11-14; 16.1; 86.1-4) e não a Bíblia. Esta idéia foi aceita por Justino Mártir e influenciou a teologia católica através de Tomás de Aquino na Suma Teológica.[6]
Orígenes defendeu que a queda dos demônios se deu antes da criação do mundo (De Princips 2.9.6) e foi seguido por Agostinho (De genesi ad literem 3.10) e posteriormente Pedro Lombardo (Sentenças 2.6). A igreja cristã como um todo tem seguido esta interpretação. Curiosa é a teoria rabínica que especulava que os demônios se rebelaram quando Deus descansava no sábado ou que eram os construtores da Torre de Babel que foram transformados em demônios como castigo por sua arrogância.[7]
A expressão grega “daimônion” significa em sua origem possivelmente “dilaceração” ou “separar rompendo”. No AT os termos sêdîm e se’îrîm sempre enfatizaram o caráter mal destes seres celestiais caídos. Embora o AT não fale muito do assunto, fica claro que idolatria, magia e bruxaria relacionavam-se a ações demoníacas (Dt 32.17; Sl 96.5). Essas práticas eram terminantemente proibidas por Deus a seu povo (Dt 18.10-14; I Sm 15.23). O NT usa o termo daimonion com o sentido do AT, ou seja, um espírito mau; e afirma a sua natureza completamente maligna e que estão destinados a compartilhar da condenação eterna juntamente com satanás (Mt 25.41; Ap 20.10-15).
Outros termos usados no NT são: akatharton = espírito imundo (Mc 5.2,3) e ponera = espírito maligno (At 19.12-16). A maioria dessas expressões é utilizada em relação à possessão demoníaca.
Tanto Paulo quanto João entendem que a atividade demoníaca aumentará nos tempos do fim e muitos homens serão seduzidos a segui-los (I Tm 4.1, Ap 16.13-14); por isso Paulo exorta aos cristãos a estarem preparados para enfrentarem principados, potestades e os dominadores do mundo tenebroso sempre (Ef 6.10-18).
O termo “possessão demoníaca” não é bíblica; a tradução literal da expressão daimonion echein é “ter demônio” ou “ser demonizado”.
Os relatos bíblicos dos Evangelhos sobre a possessão demoníaca aludem a algumas características:
1. Aflição física ou mental da pessoa sujeita à ação demoníaca. Nudez, angústia mental (Mt 8.28-33); mudez (Mt 9.32) cegueira (Mt 12.22) e demência (Mt 4.24) são alguns exemplos. Em alguns casos inclui-se: Conhecimento superior e preditivo (At 16.16; Tg 2.19) força incontrolável (Mt 8.28).
2. O demônio invasor sempre reconhecia e temia a Cristo Mt 8.28; Lc 4.34).
3. O poder de Cristo fica claro ao serem expulsos unicamente pela sua palavra (Mt 4.24; mc 7.30). Os dicípulos faziam o mesmo após receberem a autoridade de Cristo (Mt 10.1; Lc 10.17). Essa mesma autoridade é prometida a todos os crentes (Mc 16.17).
         Essa capacidade de expulsar demônios é apontada no NT como sinal da presença do reino de Deus entre os homens (Mt 12.22; Lc 10.17) e também foi a causa da grande popularidade do ministério de Cristo no seu início (Lc 4.36). A libertação do demônio incluía:
1.     Confissão de fé em Cristo como seu salvador.
2.     Arrependimento, confissão e abandono dos pecados cometidos.
3.     A decisão de seguir um novo caminho de vida seguindo a Cristo.

         Idéias não bíblicas foram introduzidas no entendimento da igreja sobre a possessão demoníaca:[8]
®   Justino Mártir acreditava que os deuses pagãos nada mais eram que representações de demônios (II Apologia 5).
®   Orígenes acreditava que cada pessoa era acompanhada por um demônio e por um anjo, que tentavam constantemente influenciar suas decisões (De Principis 3.2.2-4). Acreditava ainda em demônios específicos “demônios dos vícios”, que agiam somente em determinados tipos de pecados.
®   Agostinho e Tomás de Aquino ensinavam que os demônios poderiam atacar as pessoas de tal forma a poderem praticar atos sexuais com homens e mulheres (De potentia 6.8,57; Summa Theologica 1.51.3.6).




[1] Wayne Gruden, Teologia Sistemática, Vida Nova, p.323.
[2] Ibid, p. 324.
[3] G. W. Bromiley, “Anjo”. Em Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (EHTIC), vol. I, Vida Nova, p. 74.
[4] Confira esses textos: Gn 16.7-11; 22.11-15; Ex 3.2; Nm 22; Jz 2; Jz 6;  Jz 13; II Sm 24; I Rs 19.7; II Rs 1; Zc 3.
[5] S. E. McClelland, “Demônios, Possessão Demoníaca”. EHTIC, vol. I, p. 405.
[6] Ibid, p.405.
[7] Ibid, p.406.
[8] S. E. McClelland, “Demônios, Possessão Demoníaca”. EHTIC, vol. I, p. 405.

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