
Introdução:
Reverência = Respeito.
Quando aplicada a Deus, é uma soma de Medo + Amor = Temor (reverência).
Precisamos reconhecer que não gostamos de falar em reverência.
1º. Por causa de nossa rebeldia natural e pecaminosa contra Deus.
2º. Por causa de um mal entendimento do uso do termo nas Escrituras e sua aplicação na vida litúrgica da Igreja.
Para nós, “reverência” evoca:
Silêncio. Quando alguém faz um barulho no culto, colocamos o dedo entre os lábios e dizemos: _ Psiu! Reverência.
Compenetração e seriedade. O culto reverente é o culto sério, sem expressões externas de alegria, mas feito numa postura austera; solene!.
Frieza. Nada onde se possa mostrar calor humano, mas apenas contemplação.
Para nós, reverência e alegria são termos excludentes, mas para Deus, na Bíblia não.
Contexto:
Davi acaba um ciclo de vitórias importantes sobre os inimigos de Israel, onde se demonstra sua obediência à vontade de Deus. O verso anterior diz que ele fora bem sucedido em tudo porque “fez Davi como o Senhor lhe ordenara”.
Agora é seu desejo levar a Arca da Aliança para Jerusalém, a fim de que ela fique próxima a ele.
O trajeto é a subida de Quiriate-Jearim para Jerusalém, a cidade de Davi.
Sem mencionar uma fonte bíblica específica, o A. M. Renwick menciona que a Arca estivera cerca de 70 a 80 anos sob os cuidados da família sacerdotal de Abinadabe. Todavia desde a vitória de Samuel sobre os filisteus, narrada em I Sm 6 e 7, em Mispa, no episódio conhecido como Ebenézer, ela tinha ficado aos cuidados de Eleazar, filho de Abinadabe (I Sm 7.1). Atualmente, cerca de 20 anos depois, os filhos de Abinadabe, Uzá e Aiô cuidam da Arca (ou netos; Uzá era filho de Eleazar, filho de Abinadabe). São eles mesmos quem conduzem a comitiva festiva e pomposa após o rei Davi.
Embora houvesse muitas boas intenções, o projeto de Davi fracassa. Uzá morre, e o texto nos diz que a causa foi sua irreverência.
Davi desgostou-se, porque Deus se desagradara de suas boas intenções.
O contexto nos mostra que o desagrado de Deus não estava na alegria, mas no modo desobediente como a Arca estava sendo levada.
O texto de 2 Samuel 6 tem duas divisões claras: V. 1-11, marcado pela desaprovação de Deus à festividade patrocinada por Davi; 12-19, onde Deus aprova a festividade. É fácil ver que a irreverência não estava no modo festivo e alegre da celebração, mas na desobediência a um mandamento explícito da lei em Levítico.
Proposição:
Se não há dissociação entre alegria e reverência, como podemos associar, seguindo critérios bíblicos, esses dois elementos em nossos cultos?
I. EVITANDO COLOCAR A NOSSA VONTADE ADIANTE DA VONTADE DE DEUS, REVELADA NA SUA LEI:
Há três exemplos de irreverência aqui no texto. De Uzá, de Davi e de Mical.
a) Uzá: Achar que a FAMILIARIDADE com as coisas de Deus permite trata-las com liberdade (v. 6,7).
Ora a família de Uzá vinha cuidando da Arca há cerca de pelo menos 20 anos. Quem mais indicado e zeloso que Uzá para tentar resolver qualquer problema ou imprevisto?
Esse é o risco daqueles irmãos que já estão há muitos anos na Igreja. Eles correm o risco de tratar as coisas de Deus como se fossem suas. E nisso consiste sua irreverência. O culto não é para agradar a nós, mas a Deus.
Além disso, Uzá, como guardador da Arca, devia conhecer bem a Lei a fim de cumprir os regulamentos a seu respeito. A familiaridade muitas vezes nos leva à frouxidão e ao conformismo.
Ele deveria ter se interposto contra Davi, juntamente com os levitas que auxiliavam a Davi, e lhe mostrado que na Lei estava prescrita a forma correta de transportar a Arca, que deveria ser transportada por meio de varais e argolas (Ex 25.14; Nm 4.15,20), pelas mãos dos levitas, a fim de não ser tocada; e não puxada por bois num carro novo e à mostra do público.
b) Davi: Achar que o PODER e as EXPERIÊNCIAS VITORIOSAS com Deus permitem tratar com as coisas de Deus com liberdade (v. 1, 2, 5, 8-11).
Podemos ver a irreverência de Davi de duas formas.
A confiança no poder pode nos levar a cometer atos de irreverência.
Davi era o rei, e tinha poder para determinar que a Arca fosse conduzida para Jerusalém. Sua intenção era boa, porém a metodologia foi errada. Nenhuma reforma religiosa produzirá frutos espirituais duradouros se vier de cima para baixo por decreto.
Ilustração: As reformas de Asa, Ezequias e Josias também foram assim, por isso só duraram enquanto viveram e depois foram abandonadas por seus filhos. A reforma anglicana também foi assim, e a Igreja inglesa sempre foi dominada pelo Estado.
Ora, Deus é maior que o poder temporal. A sua palavra tem que ser cumprida por todos, como Ele mesmo a prescreveu, independente de quem seja e do poder que possua.
A confiança nas nossas experiências com Deus pode nos levar a cometer atos de irreverência.
Davi vinha de grandes vitórias. O capítulo cinco registra a aprovação de Deus para tudo quanto Davi fizera. Ele estava empolgado com Deus que o abençoara tanto. Quando agimos debaixo de empolgação corremos o risco de olhar mais para a aparência, e nos esquecemos de detalhes importantes. A empolgação tem pressa. Ela quer ver resultados, pois é extremamente pragmática. Ela quer ver Deus abençoar de novo, e de novo, e outra vez! A empolgação, se não for controlada pela obediência, faz diminuir o compromisso, e abre a porta para o abuso. E isso é irreverência.
Muitas Igrejas que estão crescendo muito por ai, têm caído na irreverência que a empolgação produz. Para crescer, têm aberto mão de seus compromissos com o que está prescrito na Palavra. Por isso estão desagradando a Deus.
Quando Deus demonstra a sua irritação, a empolgação do rei vira desgosto, desgosto com Deus. A palavra traduzida por desgosto também pode significar “ira ou irritação”. Davi ficou irritado e irado com Deus por não ter abençoado seu projeto espiritual e assim colocado em descrédito sua realeza e mesmo a sua intimidade com Deus!
A benção de Deus não é um artigo que se adquire como fruto de uma demonstração de empolgação com o próprio Deus, mas como fruto de um relacionamento criado no dia-a-dia, sob a direção das Escrituras (Jo 7.17 e 7.37-39).
c) Mical: Achar que a POSIÇÃO que se ocupa diante de Deus e de seu povo não permitem nenhum tipo de liberdade (v. 16-20, 23).
Mical, como esposa do rei e filha de Saul, o rei anterior, não participara da Festa. Viu tudo de longe de uma posição austera e soberana.
Ela reprovou Davi, não porque ficou com ciúme, mas porque nunca aceitara o fato de que Deus colocara Davi no lugar de seu pai e de eu irmão Jônatas. O texto dá a entender que Davi matou a charada da primeira, pois lhe disse claramente que o que estava em jogo não era a realeza em si, mas a escolha soberana de Deus.
Ela achou indigno o que Davi fizera, interpretando como motivo de vergonha e baixaria. Ela estava preocupada com as aparências da realeza _ O que os outros vão dizer? O que vão pensar de nós?
Quando nos preocupamos mais com a nossa posição social do que com o que Deus está fazendo no meio do seu povo, tornamo-nos irreverentes. Porque não participamos da alegria que Deus participa abençoando.
Por que ao invés de criticarmos outros das janelas de nossas Igrejas, não nos alegramos com eles? O que estava acontecendo lá fora era alegria e cânticos por causa da benção de Deus e não leviandade irreverente. Irreverentes são os que se omitem de se alegrar com as bênçãos de Deus, que é o nosso Pai Celeste, e por ser bom, gosta de nos dar presentes. Deus nos dá bênçãos espirituais em Cristo (Ef 1.3).
Ilustração: Um aviso para as esposas de líderes que não aceitam a sua vocação espiritual e se irritam com o que na verdade é a expressão da vontade de Deus.
A alegria da segunda tentativa era a mesma da primeira, só que levava em conta a obediência às Escrituras. A Arca era levada corretamente. O pecado estava sendo tratado nos holocaustos oferecidos (ofertas pelo pecado), a cada seis passos e a gratidão se expressava nas ofertas pacíficas. A benção de Deus estava ali.
Irreverência nesse caso de Mical é nutrir um coração azedo por não aceitar a vontade de deus e não participar das bênçãos de Deus.
II. COLOCANDO A VONTADE DE DEUS REVELADA NAS ESCRITURAS, ADIANTE DA NOSSA VONTADE v. 13-22:
Essa ênfase redundante de nosso argumento é proposital. Há duas atitudes de reverência no texto:
a) Obede Edom: Guardou a Arca com reverência.
A Arca ficou na sua casa apenas três (3) meses e toda a sua família foi Abençoada, de tal maneira que todo o Israel ficou sabendo. Quem era esse Obede Edom?
J. D. Douglas diz que era simplesmente um filisteu que Davi designou para cuidar da Arca da Aliança após essa desastrosa tentativa, e não associa os textos de I Cr. 26.4-8 com essa referência. Isso porque a expressão “geteu” que aparece no texto simplesmente significa “o que é de Gate”. Gate era uma das 5 cidades filistéias. Todavia, Se associarmos o texto de I Cr 26.4-8 como um evento posterior a esse, e entendermos que o fato de Deus ter abençoado Obede Edom, fez com que Davi promovesse a sua família, então Obede Edom nos dois textos se referem à mesma pessoa. Nesse caso Obede Edom seria um descendente de Coré, um levita da tribo de Coate. No deserto, eram os coatitas quem transportavam os móveis e utensílios do Tabernáculo (Nm 4.15). Nos tempos de Davi membros de sua família eram porteiros da tenda provisória construída por Davi. 3 cidades em Israel tinham nomes compostos com Gate e possivelmente trata-se de Gate-Rimom mencionada em Josué 21.24, cidade da tribo de Dã cedida aos levitas e fronteira aos filisteus.
A Arca ficara os últimos 20 anos com a família de Abinadabe e não há qualquer referência a Deus tê-los abençoado.
Certamente, o incidente trágico com Uzá, levou Obede-Edom, que possivelmente era levita, a buscar na Lei respostas que o ajudariam a não se expor a um mesmo fim. Aprendeu que “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e revelam prudência todos os que o praticam” (Sl 111.10).
Reverência implica em buscar entender e cumprir os limites do nosso comportamento com Deus e diante de Deus. Deus não aceita tudo. Deus não aceita qualquer coisa. Deus aceita somente o culto que Ele mesmo nos prescreveu.
Ele mostrou isso na morte de Nadabe e Abiú, filhos mais velhos de Arão (Lv 10).
Ele mostrou isso na desaprovação a Saul (I Sm 15).
Ele acabou de mostrar isso de novo na morte de Uzá (II Sm 6).
b) Davi: Reencontrou na obediência a alegria que não acaba.
Trocou o carro novo pelas mãos e costas dos levitas.
A beleza do culto nem sempre está na pompa, mas na simplicidade. Mas principalmente, a beleza e a força do culto estão na obediência à Palavra de Deus. Nenhuma experiência, ainda que seja mesmo com Deus, pode assumir o lugar da obediência às Escrituras reveladas. Experiências são testemunhos e não regras de conduta para os cristãos.
Reconheceu a soberania de Deus.
- “Perante o SENHOR”.
- “Que me escolheu”.
- “Mais desprezível me farei e me humilharei aos meus olhos”.
Alegrou-se perante o Senhor, com a mesma alegria do v.5.
Claramente no texto, a reprovação não está na forma festiva da ocasião, mas no descaso para com a Lei. A alegria é o corolário de nossa experiência com Deus em razão da obediência ao preceito divino.
Ofereceu holocaustos e ofertas pacíficas, para cumprir o prescrito e expressar publicamente sua obediência à Lei maior de Deus.
Abençoou e presenteou o povo no nome de Deus, inclusive sua família. As bênçãos de Deus são para serem vividas com a nossa família.
CONCLUSÃO:
O que é um culto reverente?
1º. É aquele que não busca na inovação a sua alegria, mas na Palavra de Deus, o Senhor.
O princípio regulador do culto, formulado pelos puritanos do século XVII e XVIII, na Inglaterra, colocava a Escritura como o centro regulador do culto. Só deveria ser praticado no culto o que estava prescrito nas Escrituras. O resto deveria ser considerado desnecessário. Esse princípio foi formulado em contraposição aos luteranos e anglicanos, que criam que o que as Escrituras não proibiam poderia ser utilizado.
A experiência contemporânea tem provado que esse segundo princípio é pernicioso, pois abre as portas da liturgia do culto para a inclusão de excentricidades e até mesmo banalidades. Se somos conduzidos pelo Espírito Santo no culto, não somos senhores do culto, mas ele o é.
2º. É aquele que está disposto a reencontrar o caminho da benção, se a perdeu, trocando o desgosto pela alegria renovada na obediência ao Senhor e à Sua Palavra já revelada; fazendo tudo perante o Senhor e para a glória do Senhor.
Davi nos mostra muitas vezes que é possível aprender com os erros, pois todos nós somos pecadores.
A família de Uzá teve 20 anos para aprender a ler na Lei como cuidar da Arca e não o fez corretamente, pois não impediu o conseqüente erro irreverente do rei. Quando somos irreverentes, os outros aprendem a ser irreverentes conosco.
Mical nunca aprovara a escolha de Davi como rei em lugar de seu pai, ou de seu irmão Jônatas. Ela o achava indigno. Ao julgar Davi, ela julgara a Deus, pois Deus escolheu a Davi. Por isso, cuidado com o julgamento, pois ele nos torna infrutíferos e amargos com os outros. Davi aprendeu bem rápido essa lição.
Negligência, empolgação e ressentimento são pecados que se escondem e se manifestam em nossos cultos expondo vários tipos de irreverência a Deus.
3º. Reverência não é uma questão de Sisudez ou leviandade. Reverência é uma questão de obediência e amor.
Obede-Edom guardou a Arca reverentemente e em três (3) meses se viu e ouviu dos resultados, influenciando a mudança de atitude do rei Davi e de toda uma nação.
Precisamos obedecer a João 14.21 (“quem me ama guardará os meus mandamentos”) levando mais a sério o preceito bíblico, para sermos agraciados com a manifestação de Cristo, por meio de seu Espírito Santo em nosso meio. Devemos demonstrar o nosso amor por meio de nossa obediência, e testemunharmos a alegria resultante de nossa dedicação. Os mais idosos e conservadores precisam parar de temer as expressões de alegrias dos mais novos e fervorosos. Os mais novos e fervorosos precisam aprender a obedecer mais e pular menos, a fim de que a sua obediência apareça mais que a sua empolgação presunçosa.
Você quer ver mudanças; todos nós queremos! Então: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia Nele, e o mais Ele fará” (Sl 37.5); e daqui três meses essa igreja não será mais a mesma.
Aleluia, amém...