Introdução:
Paulo finalmente nos apresenta a palavra chave da epístola e de todo o evangelho da graça: JUSTIFICAÇÃO (v. 16,17,21).
A doutrina da justificação pela fé somente é a boa nova (evangelho) de que homens e mulheres pecadores são aceitos por Deus, não com base nas suas obras de obediência, mas através de um simples ato de fé (confiança) em Jesus Cristo.
A tomada de consciência dessa provisão de Deus em Cristo a nosso favor é o principal, mais importante, mais especial artigo da nossa fé cristã. A justificação pela fé é a verdade divina que transforma as pessoas em cristãos.
É o artigo pelo qual uma igreja fica de pé ou cai na presença de Deus. Por isso é tão perigosos para a fé tentar modificar diminuindo ou acrescentando detalhes humanos ao que Deus fez em Cristo por nós.
Contexto:
Paulo ainda está falando a Pedro na presença de todos em Antioquia.
Paulo está finalizando seu argumento histórico contra a alegação judaizante de que a justificação do pecador só se dará com a sua cooperação com Deus mediante uma obediência pessoal à Lei divina; e que Paulo e sua pregação do evangelho da graça estão equivocados por serem uma alteração vil do verdadeiro evangelho.
Paulo argumentou que nem ele e nem seu evangelho são impostores:
Primeiro: porque ele não o recebeu de homens e nem por meio de homens, mas diretamente de Cristo. Segundo: Porque o evangelho que ele prega é o mesmo pregado pelos demais apóstolos de Cristo. Portanto, o evangelho da graça não é nem inferior e nem diferente, mas é o mesmo evangelho pregado pelos verdadeiros apóstolos de Cristo.
Tendo afirmado isso, Paulo chega ao centro do problema judaizante, eles confiavam em suas próprias obras para serem aceitos e perdoados por Deus e insultavam a Cristo julgando o sacrifício de Cristo insuficiente para salvar.
Proposição:
Paulo afirma a Pedro categoricamente: A Justificação é pela fé somente! Ele constrói o seu argumento com duas afirmações sobre a justificação:
I) A JUSTIFICAÇÃO É PELA FÉ SOMENTE (V. 15-18):
a)Três afirmações contundentes sobre a justificação (v.15,16):
1ª) O homem não é justificado pelas obras da Lei, mas pela fé em Cristo (declaração geral).
Paulo faz uma declaração geral: “o homem” ou a mulher não são justificados por obras da lei.
O que é justificação?
Justificação é um termo legal tomado emprestado dos tribunais. É o exato oposto de “condenação” (Dt 25.1; Pv 17.15; Rm 8.33,34). “Condenar é declarar uma pessoa culpada. “justificar” é declará-la sem culpa, inocente ou justa. Na Bíblia refere-se ao ato imerecido do favor divino através do qual ele aceita o pecador na sua presença perdoando-o e isentando-o de culpa por tratá-lo como justo com base nos méritos de Cristo.
Essa doutrina deixa claro que Deus é justo e nós não, e que a única forma de podermos ter e manter comunhão com Deus é pela mediação de Cristo em trazer Deus a nós pela graça e levar-nos a Deus pelo perdão mediante o seu sacrifício por nós na cruz.
Como o pecador condenado pode ser justo na presença de Deus? A reposta de Paulo é: Sendo justificado pelo sacrifício de Cristo e sendo unido a ele eternamente.
O que são as obras da Lei?
A Lei é a soma total dos mandamentos de Deus, logo, as “obras da lei” são os atos praticados em obediência a ela. Os judeus e os judaizantes achavam que poderiam ser justificados na presença de Deus desse modo. Eles criam que precisamos fazer tudo que a Lei ordena e evitar tudo que a Lei proíbe para sermos perdoados por Deus e aceitos por ele. Era preciso guardar toda a lei moral, mas também toda a lei cerimonial. O caso é que para um pecador isso era impossível!
Paulo diz que tentar ser salvo por esse caminho é o mesmo que tentar estabelecer a própria justiça (Rm 10.3). Esse é o princípio religioso do mundo todo, exceto no cristianismo. Esse princípio lisonjeia o homem porque afirma que se ele melhorar um pouco mais e se esforçar um pouco mais, conseguirá a sua própria salvação. Nessa religião Cristo é visto como o caminho da salvação, mas não como o salvador!
Mas o fato é que ninguém será salvo dessa maneira, porque ninguém consegue obedecer integralmente à Lei! (Rm 3.23 = onde carecer significa: “necessitar, precisar muito”; “não alcançar, ser incapaz” e “ser destituído de, cair de”). Nem homem nem mulher serão justificados por esse caminho.
2ª) Nós temos crido em Cristo para sermos justificados por ele (declaração pessoal).
O que significa crer em Cristo?
Observe que Paulo muda do geral para o particular e pessoal (nós). Ele se refere a si mesmo e a Pedro. O que realmente precisamos para sermos justificados é reconhecer o nosso pecado, a nossa incapacidade, a nossa necessidade do favor de Deus e arrependermo-nos de nossa auto-afirmação de justiça própria e depositar toda a nossa confiança em Cristo para nos salvar.
Observe ainda que a fé em Cristo não é apenas uma crença intelectual, mas um compromisso pessoal, visto que cremos em (eis = “para dentro de”) Cristo, como um ato de entrega pessoal e não apenas de aceitação de uma fato ocorrido. Crer em Cristo é ir a ele em busca de refúgio e de misericórdia quanto aos nossos muitos pecados.
Nossa certeza acerca do evangelho não é meramente intelectual, mas uma experiência pessoal da qual podemos “saber” a respeito e testemunhar publicamente.
3ª) Ninguém será justificado por obras da Lei (declaração universal).
A última afirmação é uma declaração universal. Essa afirmação está feita no Salmo 143.2 e Paulo a repete em Romanos 3.20. Ela é excludente, ou seja, afirma que absolutamente “qualquer pessoa e toda pessoa” não poderá chegar até à presença de Deus tentando fazê-lo puxando o carrinho da justiça própria.
b) Uma resposta à acusação judaizante de antinomianismo: Cristo não é ministro do pecado (v.17,18).
Os versos 17 e 18 são muito difíceis de interpretar. Seguiremos um resumo do argumento do Dr. John Stott (A Mensagem de Gálatas, p.62):
Os judaizantes afirmavam que a doutrina da graça de Paulo era perigosa, porque, segundo eles enfraquecia o senso moral do homem, encorajando-o a permanecer no pecado e a transgredir a lei de Deus. Esse pensamento é comumente chamado de “antinomianismo” e se baseia na seguinte declaração: “_Se Deus justifica pessoas más, de que vale ser bom?” O problema com o antinomismo é que ele abre a porta para a libertinagem.
Paulo responde que o evangelho não é antinomianista de forma nenhuma, pois se depois da justificação continuamos pecando a falta é nossa e não de Cristo. Ninguém pode culpar a Cristo, pois quem pratica o pecado somos nós. A graça justifica o pecador, não o pecado.
Então, apresenta o seu segundo argumento a favor da justificação pela fé somente:
II) O CRISTÃO JUSTIFICADO FOI UNIDO VITALMENTE A CRISTO (V.19-21):
A justificação não é uma ficção legal, que muda o status do homem sem mudar o seu caráter. Paulo argumento que somos ligados vitalmente a Cristo na justificação: Somos justificados por Cristo, mas também somos justificados em Cristo. A pessoa que foi unida a Cristo na justificação jamais será a mesma pessoa! Voltar à velha vida é um contra-senso, pois ele foi introduzido em uma nova vida.
Qual foi então a espantosa mudança que aconteceu após a justificação? Paulo responde por meio de mais 4 afirmações cruzadas: Fomos mortos para a Lei e crucificados com Cristo; Agora vivemos para Deus e Cristo vive em nós!a)
a) Quatro afirmações sobre a nossa união com Cristo:
1. Fomos mortos para a Lei e estamos crucificados com Cristo.
Quando fomos unidos a Cristo em sua morte nossa vida antiga acaba, seno ridículo sugerir que possamos retornar a ela. Nossa velha natureza foi crucificada e embora possamos vir a pecar, esse não será mais o nosso desejo, porque uma nova semente foi plantada em nós: Cristo habita em nós por meio do Espírito Santo (5.24-26).
Morrer para a Lei significa não ter mais a lei como princípio orientador da vida, por isso precisa ser interpretada em parelho com a frase que Paulo diz em seguida.
2. A fim de vivermos para Deus e Cristo vive em nós.
Vida pela fé em Cristo.
Ele nos amou e se entregou por nós,
Viver para Deus é o resultado pretendido com a morte para a Lei e significa vida sob o controle de Deus, para a honra do seu nome. Fomos perdoados para vivermos uma nova vida e não para termos o direito de continuar a pecar (5.13). Tornamo-nos livres em Cristo e não libertinos em Cristo! O legalismo não pode produzir vida em nós, só a graça de Deus. Esse será o assunto de Paulo mais adiante no capítulo 3.
Isso acontece porque Deus pessoalmente habita em nós. Cristo habita em nós! Ele o faz por meio do Espírito Santo.
Cristo se entregou por nós e agora vive em nós, tornando completamente pessoal todo o nosso relacionamento com ele. Nenhum cristão que tenha assimilado essas verdades do evangelho poderia cogitar retornar à velha vida. Caso isso acontecesse, ficaria claro que essa pessoa ainda não teria conhecido a Cristo pessoalmente sendo justificado por ele.
A nossa união com Cristo não é apenas mais um passo na nossa redenção, mas é o centro e o círculo de toda a existência humana. Estar em Cristo é o ponto central da mediação de Cristo a nosso favor no Evangelho (Ef 1.3-14):
Inicialmente fomos unidos a Cristo na regeneração (Ef 2.4,5);
Fomos justificados e somos santificados nessa união com Cristo (I Co 1.30);
Vivemos e crescemos nessa união pela fé (Gl 2.20);
Perseveramos na vida de fé por causa dessa nossa união com Cristo (Jo 10.27,28);
Morremos em Cristo e ressuscitamos em Cristo (Rm 14.8; Cl 3.1);
Seremos eternamente glorificados em Cristo (I Ts 4.16).
Para Paulo, é essa união vital com Cristo que mantém o equilíbrio entre os aspectos legal e vital do evangelho. Estar em Cristo é ter Cristo para nós, que se ofereceu e se sacrificou por nós perdoando-nos de nossos pecados. Estar em Cristo é ter Cristo em nós, concedendo-nos a vida eterna com ele.
b) O Argumento de Paulo contra os judaizantes: Se a justiça é mediante a Lei, Cristo morreu em vão
Não anulamos a graça de Deus.
Paulo reagiu na seção anterior à tentativa dos judaizantes de derrubar a doutrina da justificação pela fé somente. Agora ele sai da defensiva e parte para a ofensiva e acusa os judaizantes de anularem a graça de Deus querendo salvarem-se por meio das obras da Lei.
Os dois alicerces da fé cristã são a graça de Deus e a morte de Cristo. Fé cristã é fé depositada no Cristo crucificado e ressurreto a nosso favor (Rm 4.25). Buscar o caminho da salvação pelas obras é solapar a cruz e anular a graça, pois se a salvação vem pelas obras, então a salvação não é pela graça e morte de Cristo foi desnecessária, constituindo-se num terrível equívoco divino! Se nós somos no final das contas somos donos do nosso destino, segue-se que a graça e a morte de Cristo são supérfluas e redundantes.
Aplicações:
1. A maior necessidade do homem é a justificação ou aceitação de Deus.
2. A justificação não por obediência à Lei, mas pela fé em Cristo.
3. Não confiar em Cristo, mas em si mesmo é um insulto à graça de Deus à cruz de Cristo.
4. Ser unido a Cristo na justificação é começar uma vida totalmente nova.
Conclusão: Com base em qual desses caminhos você vai querer viver?